sexta-feira, 12 de agosto de 2011

John Davenant (1572-1641): O Perigo de “Ordenar” os Decretos de Deus

Até agora nós temos tratado da morte de Cristo a considerando em relação a toda raça humana, no universal circuito de seu poder vivificador para ser trazido a efeito sob a condição de fé, assim para todo homem.

Porque embora pela falta dessa condição, a morte de Cristo não manifeste essa virtude salvadora na maior parte dos homens, ainda assim não deve ser negado, nem posto em dúvida, que as Escrituras, por toda a parte, claramente testificam que Deus teve em Si as mais justas e sábias razões de Seu conselho, para que ao determinar que a morte de Seu filho seria aplicável para todo homem sob a condição da fé, no entanto não determinar efetivar ou fazer com que ela fosse aplicada para todos pela dádiva da fé.


Nós não devemos, portanto, opor ou chocar esses decretos divinos um contra o outro: “Eu desejo que meu Filho Se ofereça na Cruz pelos pecados de toda raça humana, para que todos os homens individualmente possam ser salvos pela fé Nele” e “Eu desejo dispensar minha graça eficaz para que não todos, mas apenas os eleitos, possam receber essa fé salvadora, pela qual eles podem ser salvos”.

Se esses dois decretos parecem, para alguém, como opostos um ao outro, esse deve reconhecer a debilidade de sua própria compreensão, ao invés de negar qualquer dessas coisas que são claramente contidas nas Santas Escrituras. Que, então, seja fixado e estabelecido que, de acordo com o decreto do próprio Deus, Cristo foi oferecido na Cruz por todos os homens, porque sua morte é um tipo de remédio universal designado para todos os homens individualmente, a fim de obter remissão de pecados e vida eterna, para ser aplicado pela fé.

Mas agora, para que sob essa universal virtude da morte de Cristo, a qual se estende para todas as criaturas racionais [1], nós não destruamos sua eficácia especial, a qual, na verdade, pertence somente aos predestinados, nós devemos entrar em outra parte da discussão que nós empreendemos, a qual explanará e defenderá a especial prerrogativa dos eleitos na morte de Cristo, tanto em relação a vontade de Deus em dar Seu Filho para morrer, quanto em relação a vontade do Filho em oferecer a Si mesmo.

Porque nós não devemos afirmar, como crêem os pelagianos, que Cristo morreu por todos para que a eficácia vivificante de Sua morte fosse ao mesmo tempo comum para todos, da intenção da Divina vontade, mas que no evento se torna salvífica para alguns e não para outros, não de outro modo do que do uso contingente da liberdade humana.

Nem devemos fantasiar com os arminianos que Deus dá Seu Filho para morrer intentando absolutamente nada mais do que por meio disso ter um mero poder de salvar alguns pecadores, não obstante Sua justiça, e para que alguns pecadores pudessem ter um meio ou uma maneira pela qual eles possam ser salvos, não obstante seus próprios pecados.

Disso surge o celebrado corolário de Grevinchovius, em sua dissertação sobre a morte de Cristo (p. 9): 

“Para que a dignidade, necessidade e utilidade da redenção pudesse aparecer abundantemente para ela ser obtida, mesmo que ela nunca fosse realmente aplicada para qualquer individuo”. 

Novamente (p. 14): 

“Para que a redenção pudesse ser obtida para todos, e ainda assim não aplicada para ninguém por causa de sua incredulidade” . 

Mas nós, de nenhuma maneira pensamos que a morte de Cristo foi como um lançar de dados, mas que ela foi decretada da eternidade por Deus, o Pai, e por Cristo, por meio do mérito de Sua morte, infalivelmente salvar alguns pessoas específicas, aos quais a Escritura chama pelo nome de eleitos; e, portanto, que, de acordo com a vontade de Deus, a morte de Cristo foi, por algum específico modo e conselho, oferecida e aceita para sua redenção.

Nem é aqui necessário, para a defesa desse conselho especial, definir essa espinhosa questão que tem sido lançada sobre muitos e enfadado todos que tem empreendido discuti-la, isto é, se esse decreto foi o primeiro, pelo qual certas pessoas são predestinadas à infalível participação da vida eterna; ou o outro, pelo qual Cristo foi ordenado para Seu oficio mediatório. Pois embora nós sejamos compelidos a conceber de algum dos decretos eternos de Deus como anterior e outro como posterior, devido a debilidade de nossa compreensão humana, ainda assim parece ser algo perigoso e escorregadio fazer uso desses imaginários signos de nossa razão para estabelecer ou refutar questões de fé.

Na verdade, deve ser colocado além de toda dúvida que esses decretos de Deus, os quais são pensados por nós com uma ordem de anterior e posterior, com relação ao próprio Deus consistem de uma mesma eternidade infinita; não se pode conceber um momento no qual tendo sido um decreto estabelecido o outro ainda não havia sido previsto e estabelecido.

Conceba, portanto, que o primeiro na ordem tenha sido o decreto de Deus com relação á designação e envio de um Mediador (o qual parece ser mais adequado ao nosso modo de pensar) e que, depois, tenha sido o decreto com relação a escolha de certas pessoas para o infrustrável atingimento da vida eterna por meio do Mediador designado. Ainda assim você nunca poderia separá-los, como se a paixão do Mediador não tivesse sido prevista da eternidade como oferecida de alguma maneira especial em relação àquelas pessoas que foram escolhidas e aceitas como sendo oferecida especialmente por eles, e isso da eternidade.

Por outro lado, conceba que o primeiro em ordem tenha sido o decreto com relação a eleição de certas pessoas para salvação e que, depois, tenha sido o decreto com relação a destinação de Cristo para o ofício de Mediador. Ainda assim você nunca poderia separá-los, como se a paixão de Cristo, a qual foi especialmente oferecida e aceita por eles, não fosse a causa da preparação e da dádiva tanto da graça eficaz quanto da salvação para essas pessoas eleitas

Portanto, uma vez que ambas opiniões são as mesmas para nosso propósito, nós devemos desviar a discussão de coisas tão desnecessárias, e propor e confirmar somente a tese da morte de Cristo como limitada por alguma especial consideração somente para os predestinados.

John Davenant, A Dissertation on the Death of Christ, 513-516.

Notas do blog:

[1]Em outra parte da sua dissertação Davenant faz questão de esclarecer que se refere somente à raça humana.

Fonte: http://calvinandcalvinism.com/?p=464

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