quarta-feira, 2 de março de 2011

A A Hodge (1823-1886): A Distinção entre Habilidade Moral e Natural

Incapacidade


4. Como se pode expor a doutrina ortodoxa tanto negativa como positivamente?


A doutrina ortodoxa não ensina -



1º. Que o homem tenha perdido na Queda qualquer de suas faculdades constitutivas necessárias para fazer dele um agente moral e responsável. Essas faculdades são

(a) a razão,
(b)a consciência,
(c)a livre vontade (o livre-arbítrio).


Essas todas o homem possui e tem em exercício. Ele tem o poder de conhecer a verdade; reconhece e sente as distinções e as obrigações morais; seus afetos, tendências e hábitos de ação são espontâneos; em todas as suas volições ele prefere, escolhe e rejeita livremente o que lhe apraz e como lhe apraz. Portanto é responsável.


2º. Nem, que o homem não tenha o poder de sentir e fazer muitas coisas que são boas e dignas de amor, benévolas e justas, nas suas relações com seus semelhantes. Muitas vezes isso é admitido nas confissões protestantes e nas obras clássicas dos seus teólogos, onde se concede que o homem, mesmo depois da Queda, ainda tem capacidade para a humana justitia, o bem civil, etc.

Mas a doutrina ortodoxa ensina -

1º. Que, depois da Queda, a incapacidade do homem diz respeito às coisas que envolvem as nossas relações, como seres espirituais, para com Deus – a apreensão e amor da excelência espiritual e uma vida em conformidade com ela. Nas confissões de fé essas coisas são chamadas “coisas de Deus”, “coisas do Espírito”, “coisas que dizem respeito à salvação”.

2º. Que o homem, depois da Queda, é inteiramente incapaz de saber, sentir ou agir em conformidade com essas coisas. Um homem natural pode estar esclarecido intelectualmente, porém espiritualmente está cego. Pode possuir afetos naturais, mas o seu coração está morto para com Deus e é invencivelmente avesso à Sua Pessoa e à Sua Lei. Pode obedecer à letra desta, entretanto não pode obedecê-la em espírito e em verdade.

5. Em que sentido essa incapacidade é absoluta, em que sentido é natural e em que sentido é moral?

1º. É absoluta no sentido próprio deste termo. Nenhum homem não regenerado tem o poder de fazer aquilo que a esse respeito Deus exige dele – quer direta quer indiretamente; nem pode mudar a sua natureza de modo que tenha mais poder; nem pode preparar-se para a graça; nem pode principiar a cooperar com a graça enquanto Deus, no ato da regeneração, não lhe mudar a natureza e, mediante a Sua graça, não lhe der capacidade graciosa de agir graciosamente e em constante dependência de Sua graça.

2º. É natural no sentido de não ser acidental ou adventícia, e sim inata, e que pertence à nossa natureza decaída como ela se propaga por lei natural de pais a filhos.

3º. Não é natural num sentido, porque não pertenceu à natureza do homem como foi criado. Ele foi criado com plena capacidade de fazer tudo quanto lhe era exigido, e a posse dessa capacidade é sempre necessária para a perfeição moral da sua natureza. Pode ser um homem real sem ela, contudo não homem perfeito. A capacidade concedida ao homem pela graça de Deus na regeneração não é um dote extranatural, mas consiste numa parcial restauração da sua natureza à sua condição de integridade original.

4º. Não é natural ainda noutro sentido – porque não é de modo algum resultado de qualquer deficiência da natureza humana, como existe agora, nas faculdades morais e racionais da alma.

5º. Essa incapacidade é puramente moral, porque, enquanto todo homem responsável possui todas as faculdades, tanto morais como racionais e intelectuais, necessárias para agir bem, o estado moral dessas faculdades é tal que é impossível ao homem agir bem. Sua essência está na incapacidade da alma de conhecer, escolher e amar o que é espiritualmente bom, e seu fundamento está nessa corrupção moral da alma que a torna cega, insensível e totalmente avessa a tudo quanto é espiritualmente bom.

6. Qual a história da célebre distinção entre capacidade natural e capacidade moral?

Essa distinção foi primeiro apresentado explicitamente nesta forma por João Cameron, que nasceu em Glasgow, Escócia, em 1580, foi professor na escola teológica de Saumur, França, em 1618, e faleceu em 1625.

O Presidente (Jonathan) Edwards (da futura Universidade de Princeton), em sua grande obra intitulada On the Will (Sobre a Vontade), Parte 1, C.4, adotou os mesmos termos, afirmando que, depois da Queda, os homens têm capacidade natural para fazer tudo o que deles é exigido, mas que não têm a capacidade moral para fazê-lo.

Por capacidade natural ele entendia que todo homem natural está de posse, como condição necessária para o tornar um agente responsável, de todas as faculdades constitutivas necessárias para habilitá-lo a obedecer à lei de Deus.

Por capacidade moral entendia esse estado moral e inerente dessas faculdades, essa disposição reta e boa do coração que é necessária para o cumprimento desses deveres.

Não há porque questionar a validade e a importância dessa exposição feita pelo Presidente Edwards e do modo como ele faz essa distinção; e o mesmo princípio é reconhecido acima, na exposição da doutrina ortodoxa, nas respostas às perguntas 4 e 5. Apesar disso, porém, temos sérias objeções contra a fraseologia empregada. 

Fonte:  A A Hodge.  Esboços de Teologia pg 465-470.  Editora Publicações Evangélicas Selecionadas.

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