quarta-feira, 8 de setembro de 2010

João Calvino (1509-1564): A Divina Permissão do Pecado - Comentário sobre Oséias 8:4

Quanto ao primeiro ele diz:

Eles vieram a ter rei, mas não através de mim; eles instituíram um governo, e eu não o soube”

Ou seja, “sem o meu consentimento”; pois é dito que Deus não conhece o que ele não aprova, ou aquilo sobre o que não é consultado. Mas alguém pode objetar e dizer que Deus sabia do novo reino, visto que ele foi o seu fundador. A resposta a isso é que Deus assim opera, que tal pretexto, todavia, não escusa os ímpios, já que eles aspiram a algo mais, em vez de executarem o propósito dele.


Por exemplo, quando Deus intentou provar a paciência de seu servo Jó: os ladrões que roubaram a propriedade dele eram desculpáveis? Em hipótese nenhuma. Pois qual era o objetivo deles, senão enriquecerem-se pela injustiça e pela rapina? Visto, então, que eles obtiveram seu ganho às expensas de outro, e injustamente roubaram um homem que nunca os havia lesado, ficaram sem desculpa alguma.

O Senhor, no entanto, no meio-tempo, executava, por meio deles, o que decretara, e o que já tinha permitido a Satanás fazer. Ele intentava, como foi dito, que seu servo fosse saqueado; e Satanás, que influenciava os salteadores, não podia mesmo mover um dedo que não fosse por autorização divina; ou melhor, a não ser que lhe fosse mandado. Simultaneamente, o Senhor nada tinha em comum ou em conexão com os ímpios, porque o propósito dele estava mui além da depravada concupiscência desses.

Assim também se deve dizer do que é aqui dito pelo Profeta. Como Deus pretendia punir Salomão, ele levou as dez tribos. Ele, deveras, tolerou que Salomão reinasse até o fim de seus dias e conservasse o governo do reinado; mas Reoboão, que o sucedeu, perdeu as dez tribos. Isso não aconteceu por acaso; pois Deus assim o decretara; sim, ele declarara que seria de tal modo. Ele enviou Aías, o silonita, para oferecer o reino a Jeroboão, que nunca sonhou com nada disso. Deus, pois, a tudo regia pelo seu próprio conselho secreto, para que as dez tribos resignassem a sua lealdade a Reoboão, e que Jeroboão, sendo feito rei, possuísse a maior parte do reino.

Isso, digo, foi feito pelo decreto de Deus: não obstante, que o povo não pensasse que estava obedecendo a Deus ao revoltar-se contra Reoboão, pois ele povo desejava algum afrouxamento quando viu que o jovem rei desejava oprimi-lo tiranicamente; por essa razão, elegeu para si um novo monarca. Porém, ele devia ter agüentado todo dano em vez de se privar daquela bênção inestimável, da qual Deus lhe deu um símbolo e um penhor no reinado de Davi; pois esse, como foi dito, não reinou como um rei comum, mas foi um tipo de Cristo, e Deus prometera sua mercê ao povo enquanto o reinado de Davi prosperasse, como se Cristo morasse, então, no meio do povo.

Quando, portanto, o povo sacudiu o jugo de Davi, era o mesmo que se houvesse rejeitado ao próprio Cristo, porque esse, em seu tipo, era desprezadoPor isso, vemos quão vil foi a conduta do povo em se juntar a Jeroboão. Pois essa sedição não foi meramente uma prova de leviandade, como alguns povos, com freqüência, precipitadamente subvertem o estado de coisas; não foi meramente uma leviandade temerária, mas uma ímpia negação do favor de Deus, a mesma coisa que se houvesse rejeitado a Cristo mesmo.

Dessa maneira, também ele se dividiu do grêmio da Igreja; e, embora o reino de Israel ultrapassasse ao de Judá em riquezas e poder, todavia, virou como que um membro pútrido, pois a saúde inteira dependia da cabeça, da qual as dez tribos se desligaram. Vemos então, agora, por que o Profeta tão agressivamente repreende os israelitas por estabelecerem um reino sem ser por meio de Deus; e, ainda, se resolve a questão de como Deus aqui declara que isso não se deu através dele, que, todavia, havia determinado e atestado pela boca de seu profeta, Aías, o silonita; isto é, que Deus, como foi dito, não dera uma ordem ao povo, nem permitira a esse sair da fidelidade a Reoboão. Deus, então, nega que o reino, no que dizia respeito ao povo, fosse estabelecido pelo seu decreto; e diz que o que foi feito era isto — que o povo fez um rei sem o consultar; pois devia ter prestado atenção ao que aprazava a e era permitido pelo Senhor; isso, ele não fez, mas, subitamente, seguiu seu impulso cego.

E esse ponto é digno de ser observado; pois, em vista disso, aprendemos que a mesma coisa é e não é feita pelo Senhor. Os homens tolos dos dias correntes, não versados na Escritura, excitam grandes distúrbios entre nós acerca da providência de Deus; sim, há muitos cães furiosos que latem para nós, porque dizemos (o que a Escritura também ensina em toda parte) que nada se realiza que não seja pela ordenação e pelo secreto conselho divinos, e que tudo o que é mantido neste mundo é governado pela sua mão. “Como assim? Deus, então, é um assassino? Deus, então, é um ladrão? Ou, em outras palavras, matanças, roubos e toda sorte de maldade deve ser imputada a ele?”

Tais homens, embora sejam julgados sagazes, provam o quão estúpidos e incongruentes são; mais do que isso, que loucas bestas selvagens são eles. Pois o Profeta demonstra aqui que a mesma coisa foi feita e não feita pelo Senhor, mas de um jeito diferente. Deus, aqui, nega expressamente que Jeroboão fosse feito rei por ele; por outro lado, reportando-se à história sagrada, transparece que Jeroboão foi feito rei, não pelos sufrágios do povo, mas por ordem de Deus; pois nenhuma coisa tal tinha ainda entrado na mente do povo quando Aías foi mandado para ir a Jeroboão; e ele próprio não aspirava ao reino, nenhuma ambição o impelia; ele permanecia sossegado como um homem comum, e o Senhor o incitou e disse: “Farei com que tu reines”. O povo nada conhecia de tais coisas. Depois que isso foi feito, quem podia ter negado que Jeroboão foi posto no trono, por assim dizer, pela mão de Deus? Tudo isso é verdade; porém, no tocante ao povo, ele não foi feito rei por Deus. Por quê? Porque o Senhor ordenara que Davi e a posteridade desse reinassem perpetuamente.

Por isso, vemos que todas as coisas obradas no mundo estão assim dispostas pelo secreto conselho de Deus, que ele regula tudo o que o ímpio e, até, Satanás tentam fazer, todavia, ele permanece justo; e de nada serve diminuir a culpa dos males quando dizem que todas as coisas são governadas pelo secreto conselho de Deus. Com relação a si mesmos, eles conhecem o que o Senhor determina em sua lei; que sigam tal norma: quando se desvirem dela, não há fundamento algum para se desculparem e dizerem que obedecem a Deus; pois o intento deles deve sempre ser levado em conta. Por esse motivo, vemos como os israelitas nomearam um rei, mas não por Deus; pois foi a sedição que os impulsionou quando a lei, concomitante, prescrevia que a ninguém deviam escolher como rei senão o que fora eleito por Deus; e ele delimitara a posteridade de Davi, designando que essa deveria ocupar o trono real até a vinda de Cristo. 

Fonte: Comentário de Oséias de Tradução de Vanderson Moura da Silva disponivel no www.monergismo.com.  A ressaltação em negrito foi adicionada por este blog.